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quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Grandes palavras da nossa língua - Os palavrões


Os palavrões não nasceram por acaso. São recursos extremamente válidos
e criativos para prover nosso vocabulário de expressões que traduzem
com a maior fidelidade nossos mais fortes e genuínos sentimentos. É o
povo fazendo sua língua. Como o Latim Vulgar, será esse Português
Vulgar que vingará plenamente um dia. "Pra caralho", por exemplo. Qual
expressão traduz melhor a idéia de muita quantidade do que "Pra
caralho"? "Pra caralho" tende ao infinito, é quase uma expressão
matemática. A Via-Láctea tem estrelas pra caralho, o Sol é quente pra
caralho, o universo é antigo pra caralho, eu gosto de cerveja pra
caralho, entende?

No gênero do "Pra caralho", mas, no caso, expressando a mais absoluta
negação, está o famoso "Nem fodendo!". O "Não, não e não!" e tampouco
o nada eficaz e já sem nenhuma credibilidade "Não, absolutamente não!"
o substituem. O "Nem fodendo" é irretorquível, e liquida o assunto. Te
libera, com a consciência tranqüila, para outras atividades de maior
interesse em sua vida. Aquele filho pentelho de 17 anos te atormenta
pedindo o carro pra ir surfar no litoral? Não perca tempo nem
paciência. Solte logo um definitivo "Marquinhos, presta atenção, filho
querido, NEM FODENDO!". O impertinente se manca na hora e vai pro
Shopping se encontrar com a turma numa boa e você fecha os olhos e
volta a curtir o CD do Lupicínio.

Por sua vez, o "porra nenhuma!" atendeu tão plenamente as situações
onde nosso ego exigia não só a definição de uma negação, mas também o
justo escárnio contra descarados blefes, que hoje é totalmente
impossível imaginar que possamos viver sem ele em nosso cotidiano
profissional. Como comentar a bravata daquele chefe idiota senão com
um "é PhD porra nenhuma!", ou "ele redigiu aquele relatório sozinho
porra nenhuma!". O "porra nenhuma", como vocês podem ver, nos provê
sensações de incrível bem estar interior. É como se estivéssemos
fazendo a tardia e justa denúncia pública de um canalha.

São dessa mesma gênese os clássicos "aspone", "chepone", "repone" e,
mais recentemente, o "prepone" - presidente de porra nenhuma. Há
outros palavrões igualmente clássicos. Pense na sonoridade de um
"Puta-que-pariu!". E o que dizer de nosso famoso "vai tomar no cu!"? E
sua maravilhosa e reforçadora derivação "vai tomar no olho do seu
cu!". Você já imaginou o bem que alguém faz a si próprio e aos seus
quando, passado o limite do suportável, se dirige ao canalha de seu
interlocutor e solta: "Chega! Vai tomar no olho do seu cu!". Pronto,
você retomou as rédeas de sua vida, sua auto-estima. Desabotoa a
camisa e sai à rua, vento batendo na face, olhar firme, cabeça
erguida, um delicioso sorriso de vitória e renovado amor-íntimo nos
lábios.

E seria tremendamente injusto não registrar aqui a expressão de maior
poder de definição do Português Vulgar: "Fodeu!". E sua derivação mais
avassaladora ainda: "Fodeu de vez!". Você conhece definição mais
exata, pungente e arrasadora para uma situação que atingiu o grau
máximo imaginável de ameaçadora complicação?

Expressão, inclusive, que uma vez proferida insere seu autor em todo
um providencial contexto interior de alerta e auto-defesa. Algo assim
como quando você está dirigindo bêbado, sem documentos do carro e sem
carteira de habilitação e ouve uma sirene de polícia atrás de você
mandando você parar: O que você fala? "Fodeu de vez!". Sem contar que
o nível de stress de uma pessoa é inversamente proporcional à
quantidade de "foda-se!" que ela fala.

Existe algo mais libertário do que o conceito do "foda-se!"? O
"foda-se!" aumenta minha auto-estima, me torna uma pessoa melhor.
Reorganiza as coisas.Me liberta. "Não quer sair comigo? Então
foda-se!". "Vai querer decidir essa merda sozinho(a) mesmo? Então
foda-se!". O direito ao "foda-se!" deveria estar assegurado na
Constituição Federal. Liberdade, igualdade, fraternidade.
E...foda-se!"

(Texto de Millôr Fernandes)

Homenagem a todos que não têm freios na língua!
Beijoca

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